A casa como reflexo de uma sociedade e seus costumes | Talks by LEIVA #15
Te convidamos para um breve passeio pela história!
previously on Talks by LEIVA…
O que é necessário para ter um negócio de sucesso?
(para falar conosco, responda esse e-mail ou escreva para contato@leivaarq.com)
É inerente ao ser humano a necessidade de ter um abrigo. Nossa casa é onde nos sentimos seguros, nos encontramos com quem somos e nos sentimos livres para sonhar. Nossa casa é o espelho de quem somos. Sendo assim, em uma abordagem mais ampla nossa casa é o reflexo de toda a sociedade e sua época.
Entender a evolução dessa construção tão essencial, na qual passamos a maior parte dos nossos tempos, é percorrer a história da nossa sociedade sob uma perspectiva diferente daquela que estamos acostumados.
Se o nosso papel como arquiteto é, na maioria das vezes, projetar e pensar esse espaço tão íntimo e importante, não é fundamental que a gente entenda sua história e evolução? Será que a primeira casa brasileira ainda influencia no nosso trabalho e no nosso jeito de morar hoje?
Te convidamos para um breve passeio nessa história…
No século XVII, o Brasil era uma colônia escravocrata e uma sociedade extremamente patriarcal. O senhor de engenho era dono de tudo - da família, dos escravos, da terra. A sua casa, foi a primeira morada estabelecida no país - a Casa Grande.
Por volta de 1650, com a cultura da cana de açúcar bem estabelecida no Brasil, iniciou-se a formação de alguns núcleos urbanos e a casa brasileira começa criar sua forma definitiva. Apesar de influenciada massivamente pelos portugueses, a casa sofre adaptações ao clima local: com os índios, se aprende que a cozinha deve ficar do lado de fora da casa; e da cultura oriental, vêm os grandes beirais de proteção da chuva.
Esse padrão se estabeleceu tão bem, que o famoso viajante do século XIX L. Vauthier, chegou escrever: “assim, quem viu uma casa brasileira viu quase todas”.
a casa colonial - patriarcal e escravocrata
A casa do Brasil colônia é organizada em setores que até hoje conhecemos muito bem: social, íntimo e serviço.
O primeiro setor se conectava diretamente com a rua e era onde aconteciam as relações comerciais. As mulheres eram proibidas de circular nesse espaço! Sim! A estrutura extremamente patriarcal não permitia que as mulheres fizessem parte das relações comerciais e nem que fossem vistas por pessoas de fora da família.
O segundo setor era o íntimo, onde ficavam as alcovas - os dormitórios sem janelas. Nessa parte, já não era permitido a circulação de ninguém que não fosse do círculo familiar.
O terceiro setor era o de serviço, onde ficavam as mulheres e onde se dava a maior parte da rotina familiar. A cozinha era externa à casa. Ali também era onde ficava a senzala e onde escravos passavam a maior parte do seu tempo - abatendo animais, cozinhando e servindo seus senhores.
a casa imperial - a influência europeia
Já no século XIX, com a chegada da família real, alguns costumes começam a mudar e a refletir na organização das casas, principalmente com a incorporação do costume de receber.
Passou-se a receber visitas sociais, com as casas virando sede de bailes e de almoços. Quanto mais alta a classe social, mais cômodos eram acrescentados às casas - nos palacetes neoclássicos surgidos nessa época, eram incontáveis as salas com funções diferentes (sala de baile, sala de almoço, sala de música, biblioteca…). Outro cômodo adicionado nessa época foi o banheiro, colocado inicialmente na área externa, junto da cozinha.
A casa, antes vista de maneira prática e funcional, passou a ser decorada. As fachadas ganham elementos, como a platibanda e itens decorativos neoclássicos e ecléticos; novos materiais como o vidro e o ferro são incorporados e os interiores ganham mobiliários sociais (como aparadores e pianos), cortinas, papeis de parede…
Antes de chão batido, a casa ganha assoalho de madeira e passa a ser elevada do chão, com porões que ao longo do tempo vão ficando cada vez maiores, até se tornarem habitáveis mais para o fim do século.
a casa republicana
No início do século XX, a abolição da escravatura muda novamente a forma de morar. Agora, que as funções de serviço precisam ser feitas (direta ou indiretamente) pela mulher da família, as casas passam a ser mais compactas - é aqui que inicia a transição da cozinha como um espaço de serviço separado da casa para um espaço que se aproxima do setor social.
Com as grandes fazendas sem mão de obra escrava para funcionar, começa um adensamento urbano e surgem os famosos cortiços. Logo depois dentro dessa mesma lógica, surgem os edifícios de apartamentos, vendidos como casas empilhadas que inicialmente enfrentaram grande resistência da população brasileira.
Nesse período, as principais mudanças na configuração casas se dão com o surgimento de novas tecnologias, principalmente quando o carro passou a ser visto como símbolo de status social e a garagem, antes no fundo das casas, junto da estrabaria, passou a ser o primeiro cômodo, aquele que conecta a casa com a rua.
O surgimento de novos materiais, principalmente o uso do concreto armado, influencia na linguagem das casas, assim como os 5 pontos do modernismo, com o descolamento da fachada, a supressão dos telhados, etc.
Há um cômodo que existe desde o período colonial e se perpetua até os dias de hoje: a varanda. Usada na Casa Grande, como ambiente de amenização climática, mas também de controle e vigília, passou por toda a evolução da casa em diferentes maneiras e posições, sendo alvo de desejo até os dias de hoje.
Na minha visão, com raras exceções, de clientes mais ousados e nichados, ainda vemos a estrutura funcional da casa colonial se repetir. Como ao longo da história, há um grande contraste de acordo com a classe social que pegamos como recorte.
Ainda há casas em que a dependência de empregada é diretamente ligada as áreas de serviço da casa, ainda há casas que separam uma cozinha social de uma cozinha de serviço, perpetuando a sobreposição da classe alta sobre a mais baixa, que a serve.
Mas olhando sob outra perspectiva, há um retorno significativo de um ritual que parece ser de origem ancestral, em que todos se reuniam ao redor da fogueira: a cozinha passou a ser integrada com a sala de jantar e de estar, onde todos se reúnem em volta daquele que cozinha, formando uma grande confraternização onde todos são iguais.
A mudança das relações de trabalhos pós pandemia ocasionou uma valorização do local para trabalhar em casa, proporcionando o retorno de um cômodo pros programas atuais: o escritório. (por quanto tempo isso vai permanecer assim ainda não é possível saber).
Falando em linguagem, a diferença entre classes é ainda mais visível. A classe mais baixa, no geral, parece ter preferência por uma casa muito semelhante ao estilo colonial, com telhado aparente, portas e janelas simples, que traduzem essa origem bem ancestral da primeira imagem que nos vem a mente quando pensamos em “casa”.
Enquanto a classe média/alta prefere a aparência mais moderna de casa caixa, com platibandas e lajes, com o uso maciço do concreto e do vidro. Quanto mais alta, mais esse uso é acentuado, usando grandes vãos livres que se conectam com a área externa - a exemplo da arquitetura feita por Márcio Kogan, por exemplo, um dos grandes arquitetos brasileiros contemporâneos.
Será, essa última, a arquitetura que daqui 100 anos irão estudar como a arquitetura do início do século XXI? Como arquiteto, você se identifica com ela?
A LEIVA não.
Hoje o tema da news foi um pouco diferente do comum, mas achamos que é uma reflexão válida para trazer já que reflete diretamente naquilo que projetamos todos os dias!
Se você tem algum ponto de vista sobre tudo isso, por favor, não deixe de compartilhar: