Conhecendo Ouro Preto | Talks by LEIVA #22
e as reflexões que a história e a arquitetura podem gerar
previously on Talks by LEIVA…
AutoCAD é passado?
(para falar conosco, responda esse e-mail ou escreva para contato@leivaarq.com)
Quem nos segue lá no Instagram viu que na semana passada estávamos em Minas Gerais visitando uma propriedade que iremos projetar. Aproveitando nossa ida até lá, emendamos dois dias para conhecer Ouro Preto e ver na prática o que eu (Nathana) estudei em dois cursos de história da arquitetura esse ano.
Ouro Preto é um museu a céu aberto. Cada pedaço da cidade te transporta para o passado e leva longe a imaginação…
A cidade, antes chamada de Vila Rica, chegou a ser, por volta de 1730, a mais populosa das Américas! Sim, tinha mais gente morando lá no interior de Minas Gerais do que em Nova York ou São Paulo. Estima-se que durante alguns períodos chegaram a ter mais de 150 mil pessoas circulando por ali. Era muita gente!
E o que essas pessoas iam fazer lá vocês já podem imaginar né? O que move o ser humano não mudou muito ao longo dos séculos: o dinheiro, no caso da época, a extração do ouro.
A implantação de Ouro Preto, como dá para ver no mapa acima, seguiu os moldes medievais: uma praça seca central onde se concentravam os edifícios dos poderes, sempre os mais imponentes da cidade - casa de câmara e cadeia, palácio dos governadores, pelourinho e igreja - e, partindo dessa praça, um traçado de ruelas estreitas e curvas que se adaptam à topografia super acidentada da região.
Nessas ruelas, conformadas pelas fachadas das edificações, acontecia toda a vida social da cidade, já que nessa época as casas eram espaços estritamente privados, onde não se recebiam pessoas externas.
(pausa para uma curiosidade um pouco nojenta: na época, não existia saneamento básico e as latrinas de xixi eram simplesmente arremessadas pela janela!! Sim! As pessoas gritavam antes de jogar para avisar quem estivesse passando lá embaixo que o xixi ia voar pela janela - socorro kkkkk -. Imagina o cheiro agradável que devia ter na cidade?)
Dirigir nessas ruas é um desafio e achar estacionamento é quase uma missão impossível, então fica uma dica valiosa para quem quer conhecer a cidade: ficar em um hotel bem localizado e fazer tudo a pé (prepare as panturrilhas) ou então contrate um tour com os guias turísticos (que te atacam a cada esquina).
Até hoje a praça central segue sendo o principal ponto da cidade - chamada Praça Tiradentes, onde a cabeça de Tiradentes ficou exposta depois dele ser decapitado como o mártir da Inconfidência Mineira.
Nós achamos que seria muito mais interessante o passeio na praça Tiradentes se o trânsito de veículos fosse proibido ou ao menos reduzido. Os carros circulam de maneira caótica no meio da praça, atrapalhando bastante as visuais e a circulação dos pedestres.
Alguns momentos do passeio pela cidade podem ser muito tristes, afinal de contas, foi uma cidade construída com base na escravidão (assim como boa parte do nosso país…)
É o caso da visita à mina de ouro, onde os escravos trabalhavam em condições para além de insalubres, desumanas. Mal alimentados, mal vestidos, descalços, trabalhavam até a exaustão em túneis que chegavam a ter 60 cm de altura, alguns com água dentro e todos com pouco oxigênio.
As histórias que o guia conta durante a visita à mina desativada são muito, mas muito pesadas, tristes e inacreditáveis. Nos sentimos mal até de tirar foto durante o passeio, porque é difícil sorrir dentro do local depois de imaginar tudo isso.
Na Casa dos Contos (conto de réis, não conto de fadas) é possível entrar na senzala onde ficavam os escravos. Uma sala gelada de frente para o córrego, com um chão de pedra irregular que é difícil até de caminhar, imagina de dormir.
Nesse local era fundido o ouro e recolhido o quinto, imposto de 20% que a coroa portuguesa coletava sobre todo o ouro extraído nas Minas Gerais e que deu origem à Inconfidência Mineira.
Para quem leu o nosso Talks #15, no qual falamos sobre a mudança da casa ao longo dos séculos, há ruas em Ouro Preto que podem ser uma aula de história sobre a mudança da sociedade e suas casas…
Lembrando que as casas desde sempre representaram o status social das pessoas: na colônia, quanto mais janelas, mais elevada a classe social do morador, atingindo seu ápice no sobrado (casa de dois pavimentos). No império, além do tamanho, as varandas e os pátios também demonstravam a classe social (repare que entre as casas coloniais não há espaçamento, tudo fica no limite do lote).
O chafariz que aparece na foto acima é somente um dos vários espalhados pela cidade, mas ao contrário do que podemos imaginar, eles não serviam de enfeite, muuuito pelo contrário: por meio deles era feito todo o abastecimento de água para a população, pois não havia água encanada e os escravos a buscavam com galões nesses chafarizes, para uso dos seus senhores ou para venda.
E as igrejas? Essas a cidade tem para todos os gostos, são 18 no total! No geral, em qualquer lugar que você esteja na cidade é possível enxergar pelo menos uma delas.
As cidades antigas, como Ouro Preto, possuem tantas igrejas porque haviam divisões por classes, por exemplo: uma das igrejas que visitamos era destinada somente a advogados e intelectuais; outra, ao povo negro de religiões alternativas…
É interessante ver a transição de estilos arquitetônicos que aconteceu ao longo do tempo, com as construções religiosas quebrando aos poucos a rigidez do neoclássico e depois atingindo o ápice do barroco, com muita ornamentação e ostentação, principalmente no interior. Essa era uma forma de atrair a população para a fé católica, mostrando sua prosperidade.
Apesar de ser uma cidade tombada como patrimônio histórico desde 1980 e a primeira no Brasil considerada pela UNESCO como patrimônio mundial, as construções no geral não estão bem preservadas e algumas igrejas até assustam pelo mau estado de conservação. A gente imagina que a pandemia prejudicou muito a manutenção das edificações, já que tudo ficou fechado por muito tempo.
Por fim, para quem gosta de história e arquitetura, Ouro Preto é uma cidade imperdível no roteiro nacional. Nós ficamos dois dias e não visitamos nem metade do que havia para conhecer, assim como não couberam aqui muitas histórias do que vimos por lá.
É um local para visitar sem pressa, curtir as ruelas caminhando com calma, tomar um café ou uma cerveja ouro pretana no meio da tarde… Imaginar a vida acontecendo ali séculos atrás, gerando alguns momentos reflexivos sobre o conforto que temos hoje e os abusos inacreditáveis que foram feitos no passado.
Uma pena que nada dessa riqueza que foi extraída por mais de 100 anos restou por aqui. O que ficou, ficou na mão de poucos. Depois do declínio do ciclo do ouro, Ouro Preto teve sua população reduzida 5x, e hoje parece ser uma cidade que luta contra a pobreza, com vários bairros periféricos construídos no final do século passado contrastando com a rica história que se faz presente…
Texto ótimo! Fiquei super envolvida e com vontade de conhecer a cidade